terça-feira, 31 de março de 2009

A FILHA PRÓDIGA

Publicada pelo Pastor Márcio Barroso dos Santos Trindade
A FILHA PRÓDIGA

Era uma vez um negociante que tinha uma filha, prendada, bonita e inteligente. Filha única, tornara-se o alvo de todo o afeto e de todas as esperanças de seus pais. Possuidores de muito dinheiro, conseguia a jovem tudo quanto desejava, mas o seu coração era vazio. Nada havia que não estivesse ao alcance de suas mãos.
Entregou-se de corpo e alma aos divertimentos profanos. Percebia, entretanto, que a felicidade que buscava, dando pasto às paixões, estava um pouco adiante das suas realizações. Foi de queda em queda e, depois, de abismo em abismo. Entrou pelos lupanares a dentro, chegando aos lugares mais abjetos. Recebeu insultos e tapas de miseráveis. Mas no fundo de seu coração guardava imperecível o seu amor para com os pais. Os duros desenganos, longe de apagar o seu afeto filial, mais o intensificavam.
Certa noite recebeu a visita de um dos seus amigos favoritos, moço de boa família e de acurada educação. Estava, entretanto, completamente transformado, o rosto cheio de manchas, a boca infecta, o bafo impregnado de vapores alcoólicos. Ele tentou agarrá-la, mas ela fugiu-lhe.
– Você tem medo de mim? – perguntou-lhe. – Sou um farrapo de homem... Uma pústula social... Você está certa. É verdade. Mas eu sou apenas um espelho onde poderá também contemplar o seu próprio rosto ... Que é da menina de outrora? da moça rica? da jovem elegante? Um farrapo, também. . .
Foi somente nesse dia que a pobre decaída compreendeu a magnitude de sua miséria, moral e física. Resolveu atirar-se em baixo de uma locomotiva. Tinha apenas um desejo para satisfazer, antes da morte: ouvir a voz saudosa da querida mãe.
Dispôs de tudo quanto tinha, distribuiu entre suas infelizes companheiras as roupas e objetos de estimação, preparando-se, depois, para uma longa viagem, onde haveria uma interrupção, seguindo-se a eternidade.
Viajou todo o dia, concentrada em si, recordando os dias mais felizes de seu passado, a juventude e a meninice.
E a viagem prolongou-se pela noite a dentro. Checou, pela madrugada, à sua terra natal. Temendo que o dia a surpreendesse, foi da estação a pé à casa de seus pais. Pretendia encostar o ouvido à porta, esperar que sua mãe se levantasse, na alvorada, como de costume, dentro de uma ou duas horas, ouvi-la chamando pelo marido, e depois retirar-se, como se fosse uma ladra receosa da chusma de perseguidores.
Fez como havia pensado, mas, ao sentar-se na soleira, ao colocar o ouvido à porta, percebeu que estava aberta e se moveu sobre os gonzos. Lá dentro se ouvia barulho, chinelos se arrastavam, cadeiras eram empurradas. O coração batia descompassadamente, mas não tinha forças para se levantar.
Então abriu-se a porta e surgiu de dentro, com a lamparina na mão, a estremecida velhinha por quem viera de tão longe.
– Minha mãe, perdoe-me, – disse banhada em lágrimas. – Não queria entristecê-la com minha presença. Desejava apenas ouvir sua voz, pela última vez, antes da morte, mas a porta estava aberta... Não foi culpa minha...
Levantando-a, carinhosamente, beijando-a na face, sua mãe lhe respondeu:
– Filha, desde que você partiu nunca mais esta porta se fechou, nem esta lamparina ficou sem chama durante a noite. Quantas vezes o vento fez ranger os gonzos, tantas vezes me levantei, pensando que você estava de volta. Não queria que minha filha viesse um dia procurar-me e pensasse que esta porta não lhe seria aberta...
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do livro "Mil Ilustrações Selecionadas", Dr. D. Peixoto da Silva, Casa Publicadora Batista, Rio de Janeiro, 1966

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